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O AVANÇO MISSIONAL DA IGREJA PENTECOSTAL

O movimento pentecostal é, sem dúvida, um dos fenômenos religiosos mais significativos do cristianismo global nos últimos 120 anos. Sua marca mais visível, o batismo no Espírito Santo com evidência de línguas estranhas, é apenas uma entre várias expressões de uma espiritualidade dinâmica, voltada à missão, à evangelização e ao engajamento social. A presente análise tem como objetivo examinar o avanço da Igreja Pentecostal sob o prisma missional, tanto em sua atuação histórica quanto no contexto contemporâneo, com especial atenção ao caso brasileiro e às periferias urbanas e sociais. Sob o ponto de vista empírico, observa-se, notadamente, que as igrejas pentecostais estão presentes em lugares onde muitas outras denominações não estão, e nem pretendem ir.

A história Pentecostal Missionária

O pentecostalismo não emerge de um vácuo histórico, mas é o desdobramento de uma série de movimentos espirituais e missionários que, ao longo do século XVIII e XIX, prepararam o terreno para sua manifestação plena no início do século XX. O movimento metodista, liderado por John Wesley, foi uma das primeiras expressões dessa espiritualidade voltada para a santificação pessoal, o engajamento social e a missão evangelística. Wesley defendia que a experiência cristã deveria incluir não apenas a justificação pela fé, mas também um processo contínuo de santificação — o que mais tarde seria retomado pelos movimentos de santidade como antecipação da experiência do batismo no Espírito Santo (DAYTON, 1987, p. 29).

No decorrer do século XIX, os movimentos holiness (de santidade) intensificaram essa busca por uma espiritualidade mais viva e experiencial. Reuniões campais, cultos de reavivamento e pregações itinerantes tornaram-se práticas comuns em comunidades nos Estados Unidos e na Europa, reacendendo a expectativa por um novo derramar do Espírito. Esses movimentos, embora ainda não caracterizados como “pentecostais”, influenciaram diretamente os primeiros líderes e comunidades que abraçariam o pentecostalismo nascente.

Um marco fundamental nesse processo foi o avivamento no País de Gales, ocorrido entre 1904 e 1905, liderado por Evan Roberts. O avivamento galês atraiu atenção internacional por seu impacto profundo: mais de 100 mil pessoas se converteram em poucos meses, igrejas foram revitalizadas, e a sociedade galesa experimentou mudanças perceptíveis nos níveis de alcoolismo, criminalidade e reconciliação comunitária.

As reuniões eram marcadas por oração fervorosa, cânticos espontâneos, confissão pública de pecados e um senso coletivo da presença divina. Embora não houvesse ênfase nas línguas estranhas, que se tornariam uma marca do pentecostalismo clássico, o mover galês foi amplamente reconhecido como um prenúncio do que viria em Azusa. Relatos do avivamento circularam em periódicos cristãos nos Estados Unidos, inspirando pastores, leigos e missionários que, pouco tempo depois, estariam no centro do avivamento pentecostal (WARRINGTON, 2008, p. 16; HOLLENWEGER, 1997, p. 19–20).

No Século XX

É nesse contexto de efervescência espiritual e social que o pentecostalismo ganha forma no início do século XX. Entre os eventos considerados inaugurais, destaca-se o avivamento da Rua Azusa, em Los Angeles, iniciado em 1906 sob a liderança do pastor afro-americano William J. Seymour. Ali, homens e mulheres de diferentes etnias, classes sociais e origens geográficas reuniam-se em busca de uma experiência direta com Deus, expressa no batismo com o Espírito Santo e nas manifestações dos dons espirituais. Esse movimento, profundamente marcado pela oração, humildade e fervor evangelístico, rapidamente se espalhou para outras partes dos Estados Unidos e do mundo, evidenciando desde o início um forte caráter missionário e transnacional (ANDERSON, 2013, p. 35).

A Expansão Missionária Pós-Azusa:

O avivamento da Rua Azusa (1906–1909) não se limitou a um evento localizado em Los Angeles; ele se tornou um epicentro espiritual que impulsionou um dos mais notáveis movimentos missionários do século XX. As experiências vividas no número 312 da Azusa Street – com ênfase no batismo no Espírito Santo, glossolalia e manifestações espirituais – foram levadas por participantes para diversas partes dos Estados Unidos, Europa, América Latina, África e Ásia. Aqueles que estiveram presentes retornaram a suas igrejas e países como verdadeiros “apóstolos da chama”, levando consigo não apenas doutrina, mas uma espiritualidade marcada por fervor, esperança escatológica e senso de urgência evangelística.

Segundo Allan Anderson (2007), o caráter missionário do pentecostalismo não se deu por estratégias estruturadas de envio e treinamento, como nas missões protestantes tradicionais, mas por uma convicção espiritual de que o mundo estava vivendo os “últimos dias” (cf. At 2.17). Essa urgência escatológica gerou um impulso missionário espontâneo, movido pela fé de que o Espírito Santo capacitava qualquer crente, independentemente de formação teológica, para evangelizar com poder. No Brasil, esse avanço se materializa já em 1910 com a chegada dos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, que fundaram a Assembleia de Deus em Belém do Pará.

A escolha daquela região, marcada por pobreza, analfabetismo e exclusão, evidenciou o viés popular do pentecostalismo, que se firmou como voz espiritual das periferias urbanas e rurais. A missão pentecostal, nesse contexto, assume contornos de resistência e inclusão social, dando protagonismo a sujeitos marginalizados tanto na igreja quanto na sociedade. Além da Assembleia de Deus, outros grupos como a Congregação Cristã no Brasil e, mais tarde, as igrejas pentecostais de segunda e terceira onda (como Deus é Amor, Universal, Videira, Verbo da Vida, entre outras) também desenvolvem práticas missionárias ativas, cada uma com sua teologia e foco. No entanto, a matriz permanece: anunciar o evangelho com sinais, alcançar os perdidos com poder e provocar transformação espiritual e social.

Atuação nas Periferias Urbanas e Rurais no Brasil

A expansão da igreja pentecostal no Brasil não se deu apenas pela multiplicação de templos, mas sobretudo pela incisão decisiva em contextos socialmente marginalizados, bairros periféricos de grandes centros urbanos e regiões rurais de forte exclusão. Conforme observado por Cecilia Loreto Mariz, “as igrejas pentecostais estão multiplicando‑se no Brasil, especialmente nos bairros mais pobres das grandes cidades, atraindo os que têm menos recursos econômicos e menos escolarização” (Mariz, 1996, p. 129).

Em estudo etnográfico sobre arte, gramática e moral em favelas, Christina Vital da Cunha argumenta que o pentecostalismo nas periferias urbanas cria “um novo imaginário de cidade e de espaço público”, sendo local não só de culto, mas de presença simbólica e comunitária em territórios marcados pela ausência do Estado (Vital da Cunha, 2018, p. 5). No caso rural ou de migração interna, observa‑se que igrejas pentecostais assumiram papel social e missionário ao oferecer redes de suporte, alfabetização, assistência em crise, ajuda em catástrofes naturais, entre outras – o que reforça sua missão além do evangelismo puro.

Por exemplo, em estudo sobre ocupação urbana em Uberlândia (MG), Luciano Senna Peres Barbosa e Claudia Wolff Swatowiski localizada no “Ocupação Glória”, mostram como um movimento de assentamento se associou a práticas pentecostais, integrando luta por habitação e espiritualidade (Barbosa & Swatowiski, 2022, p. 12). Assim, a missão pentecostal nas periferias brasileiras revela um duplo viés: proclamação do evangelho e encarnação da presença da igreja no tecido social excluído.

Missões Pentecostais Globais no Século XX

O pentecostalismo rapidamente ultrapassou fronteiras nacionais, manifestando‑se como um movimento missionário verdadeiramente global. Segundo Allan Anderson, a característica missionária dos pentecostais iniciais não resultou tanto de estruturas organizadas de envio como nas missões clássicas, mas de “convicção espiritual de que os últimos dias haviam chegado” (Anderson, 2007, p. 72).

No Brasil, por exemplo, a iniciativa missionária já se observa com a chegada dos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren em Belém (Pará) em 1910, cenário de missão entre comunidades ribeirinhas e marginais (Araújo, 2024, p. 210‑211). Outros dados mostram que o Brasil tornou‑se também exportador de missionários: embora ainda com desafios de formação, recursos e estrutura, há estimativa de que o país tenha “potencial para enviar mais de 10 000missionários” (International Journal of Pentecostal Missiology, 2023, p. 10).

Em âmbito mais amplo, o livro de Paul J. Palma Grassroots Pentecostalism in Brazil and the United States (2022) discute como migração, mobilidade e missão se entrelaçam no pentecostalismo de base, oferecendo uma perspectiva comparada Brasil‑EUA (Palma, 2022, p. 35‑40). A missão pentecostal global não apenas implantou igrejas em contextos do Sul Global (África, Ásia, América Latina), mas transformou o próprio perfil das missões, descentralizadas, interétnicas, carismáticas e “de baixo para cima”.

Crescimento no Século XXI e Desafios da Missão Urbana, Digital e Transcultural

No século XXI, a missão da igreja pentecostal encontra novos campos e linguagens. A urbanização acelerada, a digitalização e a mobilidade global criam cenários inéditos para o envio e para a plantação eclesial. Conforme aponta o estudo de Maxwell Fajardo (citado em Missio-Hilft, 2018), “novas igrejas pentecostais emergem nas periferias urbanas como start‑ups religiosas individuais, altamente móveis e adaptáveis”, exibindo uma dinâmica missionária expressiva nas margens das grandes cidades.

No ambiente digital, as igrejas pentecostais utilizam redes sociais, transmissões ao vivo, podcasts e plataformas de ensino para expandir seu alcance, uma missão que já não depende exclusivamente de presença física. Transculturalmente, observa‑se que brasileiros‑pentecostais lideram missões em países lusófonos, África e Europa: por exemplo, segundo dados levantados, o Brasil era um dos principais países de envio de trabalhadores transculturais em 2016 (IJPM, 2023, p. 10). Entretanto, os desafios continuam: institucionalização excessiva, secularização, perda do fervor inicial, necessidade de formação teológica, contextos pós‑cristãos e crítica à mercantilização da fé. Cabe à missão pentecostal contemporânea preservar o ethos de envio radical, sustentabilidade e relevância cultural.

CONCLUSÃO

O movimento pentecostal nasceu com os pés na rua, a alma em oração e os olhos no mundo. Sua força não veio dos palácios nem dos centros teológicos da elite, mas das esquinas, das casas simples, dos cultos com chão de barro e da fé que se recusa a caber em estruturas formais. A missão sempre foi seu pulso, não como um programa, mas como uma urgência.

Esta edição da Acadêmicos Pentecostais buscou lançar luz sobre essa caminhada que não cessa: da Rua Azusa aos becos das cidades brasileiras, das palafitas do Norte às igrejas improvisadas nas periferias de São Paulo, da Galiléia ao Instagram. É missão que ora, que envia, que sofre, que acolhe, que traduz o evangelho em lágrimas, pão e palavra. O avanço missional da igreja pentecostal não é apenas um capítulo da história eclesiástica — é a expressão viva de um povo movido pelo Espírito. Não cabe nos manuais, mas pode ser percebido nas estatísticas, nas vozes dos esquecidos, nas vidas transformadas.

Cabe a nós, agora, como acadêmicos, teólogos, pastores, educadores e filhos dessa herança espiritual, discernir os tempos e manter a chama acesa. Uma chama que não queima por vaidade, mas que arde por missão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, Allan. Spreading Fires: The Missionary Nature of Early Pentecostalism. Maryknoll: Orbis Books, 2007.

BARBOSA, Luciano Senna Peres; SWATOWISKI, Claudia Wolff. Pentecostalismo e o movimento urbano de sem-teto: luta política e batalha espiritual em Uberlândia, Brasil. PentecoStudies, 2022, p. 9–28.

MARIZ, Cecília Loreto. Pentecostalismo e confronto com a pobreza no Brasil. In: SMITH, Dennis A.; GUTIERREZ, Benjamin Flores (orgs.). No Poder do Espírito. Genebra: Conselho Mundial de Igrejas, 1996, p. 129–146.

PALMA, Paul J. Grassroots Pentecostalism in Brazil and the United States: Migrations, Missions, and Mobility. Cham: Palgrave Macmillan, 2022.

VITAL DA CUNHA, Christina. Culturas pentecostais nas periferias urbanas: uma análise socioantropológica do pentecostalismo nas artes, gramáticas, crime e moralidade. Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, v. 15, n. 1, 2018.

MISSIO-HILFT. Religiöse Vielfalt und politische Konkurrenz: Differenzierungsprozesse des Pentecostalismus in Brasilien. Religions, vol. 9, no. 1, 2018, art. 14.

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