
A palavra Pentecostes vem do grego pentēkostē, que significa “quinquagésimo”, pois ocorria cinquenta dias após a Páscoa (cf. Lv 23.15-16; Dt 16.9-10). No contexto hebraico, a festa é conhecida como Festa das Semanas (Shavuot), e também como Festa da Colheita (Êx 23:16). Por isso, no relato de Atos 2, a redação de Lucas tem como introdução “cumprindo-se o Dia de Pentecostes”, isto é: chegou o Dia da Festa.
Ainda que Atos seja digno de grande atenção pelo nascimento da igreja ter ocorrido na festa de Pentecostes, faz-se necessário também a leitura e conhecimento do contexto veterotestamentário que envolve o evento das primícias.
CONTEXTO HISTÓRICO NO ANTIGO TESTAMENTO
O contexto sempre será a maior chave interpretativa do texto. A Festa de Pentecostes é uma das três grandes festas de peregrinação ordenadas por Deus (Êx 23.14-17), junto com a Páscoa e os Tabernáculos. Ela marcava:
- O fim da colheita da cevada e o início da colheita do trigo, celebrando os primeiros frutos (bikkurim) oferecidos ao Senhor (Êx 34.22).
Uma comemoração da provisão de Deus, pois os israelitas reconheciam que a terra e seus frutos vinham do Senhor (Dt 26.1-11).
A festa envolvia sacrifícios, ofertas voluntárias e ações de graças (Lv 23.17-21), além de um forte caráter comunitário e social, especialmente em relação aos estrangeiros, órfãos e viúvas (Dt 16.11). Havia uma preocupação de Deus com essas classes, a ponto de estabelecer leis que regulamentavam a colheita a fim de prover, assistir e amparar os necessitados.
CUMPRIMENTO EM ATOS 2
O Novo Testamento redefine a festa à luz da obra redentora de Cristo. Em Atos 2, cinquenta dias após a ressurreição de Jesus, o Espírito Santo é derramado sobre os discípulos reunidos em Jerusalém, cumprindo a promessa profética de Joel 2.28-29 e inaugurando a Igreja, cheia do poder do Espírito para testemunhar!
Esse evento tem três significados centrais:
a) Cumprimento Escatológico
O Pentecostes marca o início dos “últimos dias” (At 2.17), o tempo do Espírito prometido, e a transição da velha aliança para a nova.
b) Unidade das Nações
As línguas faladas pelos discípulos representam o reverso da torre de Babel, um chamado de Deus para a unidade espiritual em meio à diversidade étnica (At 2.5-11).
c) Constituição da Igreja
Assim como Israel foi formado como povo no Sinai (com a Lei), a Igreja é formada no Pentecostes (com o Espírito). O Espírito Santo se torna a nova Lei escrita nos corações (cf. Jr 31.33; 2Co 3.3).
Sobre isso, Stott diz: A descida do Espírito em Pentecostes é o evento que inaugura a nova era do Espírito, unindo judeus e gentios em um só corpo. Atos 2 é tanto um cumprimento escatológico quanto uma fundação eclesiológica.[1]
Refletir sobre o Pentecostes como um mero movimento de poder, restrito a uma igreja limitada por quatro paredes e que não compreende sua verdadeira missão e objetivo em relação à virtude recebida do alto, representa um desperdício de uma dádiva celestial e resulta em uma perda de identidade. Além disso, essa perspectiva desconsidera a importância das almas que estão se perdendo.
O Dr. Ben Witherington, observa muito bem: Pentecostes não apenas lança a Igreja em sua missão, mas também redefine a identidade do povo de Deus em termos de universalidade e presença do Espírito, inaugurando uma nova comunidade profética e missional. [2]
IMPORTÂNCIA TEOLÓGICA E ESPIRITUAL
Há um pano de fundo, que vai além da história, nas festas judaicas, e a Festa das Primícias também é carregada de importância teológica e espiritual. Pentecostes representa a plenitude da promessa: o Espírito é dado como selo e penhor da redenção (Ef 1:13-14); é o nascimento da missão da Igreja: o poder do Espírito impulsiona os discípulos a evangelizar (At 1:8), bem como, enfatiza a continuidade entre Antigo e Novo Testamento, mostrando que a obra de Cristo não anula, mas cumpre os ciclos de festas e símbolos da antiga aliança.
Ao compreendermos a contextualização do tema exposta nas páginas anteriores, somos conduzidos a uma visão panorâmica da dimensão espiritual subjacente ao evento narrado em Atos 2. Trata-se não apenas de um acontecimento histórico, mas da concretização de realidades espirituais previamente tipificadas nas festas do Antigo Testamento.
No aspecto literal, durante a Festa das Semanas (Shavuot), posteriormente conhecida como Pentecostes, o lavrador lançava a foice sobre os primeiros feixes maduros, e as primícias eram apresentadas ao Senhor como oferta voluntária de gratidão e dependência pela provisão da terra (cf. Lv 23.15-21; Dt 16.9-12). Esse ato ritual simbolizava a entrega do melhor da produção, em reconhecimento de que a colheita vindoura também dependeria da bênção divina.[3]
No plano espiritual, tal como descrito por Lucas em Atos dos Apóstolos, Pedro emerge como o lavrador profético, aquele que empunha a foice da Palavra (At 2.14), semeando nas multidões reunidas em Jerusalém no cumprimento escatológico da profecia de Joel (Jl 2.28-32; cf. At 2.16-21).
O resultado imediato da proclamação é a conversão de cerca de três mil pessoas (At 2.41), caracterizadas como os primeiros frutos da Igreja nascente. Tais almas, arrependidas e batizadas (At 2.38), são apresentadas a Deus como oferta viva, consagradas pela ação do Espírito Santo, o verdadeiro agente da nova colheita.
O evento, portanto, carrega implicações e paralelos teológicos profundos: a transição do culto cerimonial para a realidade espiritual em Cristo; a inauguração da Igreja como novo povo de Deus; e a atuação direta do Espírito como sinal escatológico do Reino vindouro. A tipologia agrícola encontra sua plenitude na colheita espiritual iniciada em Pentecostes, marcada pela irrupção do Espírito, pelo testemunho apostólico e pela formação de uma nova comunidade messiânica.[5]
POR QUE HAVIA TANTAS NAÇÕES REUNIDAS EM JERUSALÉM NO DIA DE PENETCOSTES?
A festa de Pentecostes foi estabelecida no calendário divino pelo próprio Cristo. Era de pleno conhecimento do Senhor Jesus que, nesse período, Jerusalém se tornava o centro de convergência de judeus e prosélitos provenientes de diversas regiões do mundo greco-romano e da diáspora judaica. Conforme registrado por Lucas (At 2.5-11), havia naquela ocasião pessoas oriundas da Frígia, Panfília, Egito, Líbia, Roma, Capadócia, Elão, entre outras nações, formando um cenário multicultural propício à propagação do evangelho em escala internacional. Tal contexto proporcionava uma oportunidade singular para a manifestação de um grande avivamento, resultando em salvação e no marco inaugural da Igreja, nascendo já com vocação missionária e transcultural.[6]
Esse momento histórico representou uma ruptura com as tradições exclusivistas do judaísmo, quebrando barreiras culturais, étnicas e territoriais, em cumprimento à profecia de Joel (Jl 2.28-32) e à promessa de Cristo de que o evangelho alcançaria todas as nações (Mt 28.19-20; At 1.8). Por essa razão, Cristo, em sabedoria e pleno alinhamento com o plano celestial, ordenou que os discípulos permanecessem na cidade de Jerusalém até que do alto fossem revestidos de poder (cf. Lc 24.49; At 1.4).
O evento de Pentecostes, portanto, não foi acidental nem improvisado, mas um momento cuidadosamente orquestrado pelo céu, no qual a promessa do Espírito Santo inaugurou uma nova era no plano redentivo, dando início à missão da Igreja com poder, proclamação e sinais. Como observa o teólogo pentecostal Roger Stronstad, “o Pentecostes não é meramente o nascimento da Igreja, mas o derramamento do Espírito para a capacitação missionária de um novo povo escatológico”.[7]
Entre os pais da Igreja, João Crisóstomo ressaltou que o derramamento do Espírito em Pentecostes não visava apenas maravilhar os ouvintes, mas capacitá-los a pregar em línguas compreendidas por outros povos, servindo ao propósito divino de universalização da fé.[8]. Da mesma forma, Irineu de Lyon argumentava que o Espírito, no Pentecostes, restaurava a unidade do gênero humano disperso desde a torre de Babel.[9]
A partir desse marco, a fé cristã rompe os limites do etnocentrismo judaico e se estabelece como uma mensagem universal, guiada pelo Espírito e enraizada na proclamação do Cristo ressurreto. Pentecostes, portanto, não representa apenas um evento histórico, mas uma convocação contínua à Igreja para viver em dependência do Espírito, atravessando culturas, resistências e sistemas com ousadia e fidelidade.
No contexto atual, em que a Igreja enfrenta tanto desafios internos quanto pressões culturais externas, o modelo de Pentecostes continua a oferecer um paradigma de missão. A capacitação do alto, a mensagem centrada em Cristo e a expansão intercultural do evangelho permanecem como marcas essenciais de uma comunidade que deseja impactar o mundo com relevância espiritual e fidelidade bíblica. O Espírito Santo, que uniu línguas e povos naquele dia, continua a ser o elo entre o céu e a terra na missão contemporânea da Igreja.
CONCLUSÃO
O Pentecostes, conforme delineado nas páginas precedentes, não pode ser reduzido a um mero episódio inaugural da Igreja Primitiva, mas deve ser compreendido como a consumação de um propósito divino que atravessa as Escrituras, da Torá aos Atos Apostólicos. Trata-se de uma epifania escatológica que inaugura uma nova era, na qual a presença do Espírito deixa de ser evento pontual e passa a ser realidade permanente no corpo e na missão da Igreja.
A narrativa lucana em Atos 2 nos remete, com intencionalidade teológica, ao cumprimento de promessas veterotestamentárias e à reconfiguração da identidade do povo de Deus. O Espírito derramado em Pentecostes não apenas capacita os discípulos para a proclamação, mas constitui a Igreja como comunidade profética, universal e missional, em oposição a um modelo étnico-exclusivista e cerimonialista da antiga aliança.
Na ótica pentecostal, tal evento representa mais do que um marco histórico: é a fonte contínua da espiritualidade, da proclamação e da práxis da Igreja. O Espírito Santo não é apenas uma herança apostólica; é presença operante que, ainda hoje, convoca, envia e capacita a Igreja a testemunhar o Cristo ressuscitado entre as nações, com ousadia, sinais e fidelidade bíblica.
Assim, a Festa das Primícias é ressignificada como princípio de uma nova colheita, uma seara espiritual em que as primícias não são grãos, mas almas, não são ofertas agrícolas, mas vidas rendidas ao Senhor da missão. Como bem discerniram os Pais da Igreja e os exegetas contemporâneos, o Pentecostes é, por excelência, a resposta celeste à dispersão de Babel, a restauração da unidade na diversidade e a antecipação do Reino em poder.
A revista Acadêmicos Pentecostais reafirma, portanto, sua vocação de promover uma teologia que não apenas pensa, mas ora; que não apenas questiona, mas adora; e que, inspirada pela experiência pentecostal, conjuga razão e fé em diálogo constante com as Escrituras, a Tradição e o Espírito vivo que continua a soprar sobre toda carne.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- STOTT, John R. W. The Message of Acts: The Spirit, the Church and the World. Leicester: Inter-Varsity Press, 1990, p. 60.
- WITHERINGTON III, Ben. The Acts of the Apostles: A Socio-Rhetorical Commentary. Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1998.
- KAISER, Walter C. O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 112–114.
- FEE, Gordon D. God’s Empowering Presence: The Holy Spirit in the Letters of Paul. Peabody: Hendrickson, 1994. p. 830–832.
- MENZIES, Robert P. Empowered for Witness: The Spirit in Luke-Acts. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1994. p. 200–205.
- GONZÁLEZ, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 38.
- STRONSTAD, Roger. The Charismatic Theology of St. Luke. Peabody, MA: Hendrickson, 1984. p. 57.
- CRISÓSTOMO, João. Homilias sobre Atos dos Apóstolos, Homilia 2. In: Patrologia Graeca, vol. 60.
- IRINEU DE LYON. Contra as Heresias, III, 17. Tradução de Carlos Arthur Dreher. São Leopoldo: Sinodal, 2001.
Um artigo claro e objetivo, trazendo de forma objetiva e com profundidade teológica um dos eventos mais marcantes na história da igreja “O DIA DE PENTECOSTES”.
Obrigado ao idealizador deste projeto “ACADÊMICOS PENTECOSTAIS”, que com toda certeza irá proporcionar um conhecimento aliado a uma fé, adoração, e experiências mais pautadas na palavra de Deus.
Obrigado pelo retorno, amigo, pastor Adailton. Conto com seu apoio para divulgar!
Amém!
Texto excelente. Reforçando que o movimento pentecostal trouxe reforço para a ideia de que somos realmente uma comunidade profética. Temos legalidade do Espírito para atuar no cumprimento da evangelização por meio da continuidade dos dons. Parabéns meu amigo. Deus seja sempre louvado!
Verdade, amigo! Obrigado!
Texto relevante, esclarecedor, Bíblico, didático, que trás a clareza do real propósito do evento “Pentecostes” que marcou a história da igreja.
Ansioso por mais artigos esclarecedores como este.
Muito me edificou.
Parabéns Rev. Anderson Marcedo.
Obrigado, meu amigo! Conto com seu apoio para divulgar esse trabalho gratuito!